24 de ago. de 2012

Quem apareceu no monte da Transfiguração?


                Parece uma questão simples não é mesmo? Basta ler o relato para achar a resposta. Todavia, quando Joseph Smith traduziu Marcos 9 deu a entender que João Batista esta no Monte da Transfiguração. Aparentemente este profeta (João Batista) estava não apenas no lugar de Elias, mas era Elias! Para compreender melhor a questão e procurar a resposta, escrevi o que se segue.

Monte da Transfiguração - relato de Marcos e Mateus
                Sabemos que no último ano do ministério de Cristo, quando a hora final do Senhor na mortalidade se aproximava, "Jesus tomou consigo a Pedro, a Tiago, e a João, e o levou sós, em particular, a um alto monte; e transfigurou-se diante deles; E as suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas como a neve, tais como nenhum lavadeiro sobre a terra os poderia branquear. E apareceu-lhes Elias, com Moisés, e falavam com Jesus. (...) E desceu uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu filho amado; a ele ouvi. E, tendo olhado em redor, ninguém mais viram, senão só Jesus com eles. E, descendo eles do monte, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que tinham visto, até que o Filho do homem ressuscitasse dentre os mortos." (Marcos 9:2-4, 7-9)
                Em Mateus lemos alguns detalhes a mais: "tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte, E transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. E Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, façamos aqui três tabernáculos, um para ti, um para Moisés, e um para Elias. E, estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem luminosa os cobriu. E da nuvem saiu uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho, em quem me comprazo; escutai-o. E os discípulos, ouvindo isto, caíram sobre os seus rostos, e tiveram grande medo.
E, aproximando-se Jesus, tocou-lhes, e disse: Levantai-vos, e não tenhais medo. E, erguendo eles os olhos, ninguém viram senão unicamente a Jesus. E, descendo eles do monte, Jesus lhes ordenou, dizendo: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do homem seja ressuscitado dentre os mortos." (Mateus 17:1-9)
                Pelo registro bíblico lemos que estavam presentes: como mortais: Pedro, Tiago e João; como ser transfigurado: o Salvador Jesus Cristo; como seres transladados: Moisés e Elias; como ser ressurreto e glorificado, atrás de uma nuvem, o próprio Pai Eterno. Na maravilha e assombro da visão, certamente podemos incluir, ainda que o texto não mencione expressamente, o personagem de espírito chamado de Espírito Santo. Assim, contamos no total oito entes separados e distintos.

A Tradução de Joseph Smith de Marcos 9
                Quando Joseph Smith estava traduzindo a Bíblia, alterou Marcos 9:4 - para revelar-nos que João Batista estava no Monte da Transfiguração. Assim teríamos mais um personagem de espírito. Deve ser lembrado que João Batista havia sido decapitado a pouco tempo, e o Senhor se entristecera muito com isso. De todos os propósitos gloriosos do evento - como a concessão de chaves e poder aos Apóstolos que formariam a Primeira Presidência da Igreja após a ascensão do Salvador - um deles deve ter sido o de confortar e fortalecer o Senhor e prepará-lo para a agonizante e terrível expiação (assim também pensa o Élder James E. Talmage, em seu livro Jesus, o Cristo, na página 358). Assim, a visão de seu primo, João Batista, a vinda dos grandes profetas, Elias e Moisés, e a confirmação do Pai - serviram para consolar e animar o Cordeiro que logo iria ao matadouro.
                Persiste, porém, a questão. Leiamos a passagem que foi traduzida pelo Profeta Joseph Smith: "E apareceu-lhes Elias com Moisés, ou em outras palavras, João Batista e Moisés; e falavam com Jesus." (TJS Marcos 9:3).
                Que João Batista pode ser chamado de Elias fica claro pelo próprio texto Bíblico (Mateus 17:12-13). O Guia de Estudo para as Escrituras explica:
                "As escrituras usam de diversas maneiras este nome ou título.
                Precursor: Elias é o título de alguém que é um precursor. Por exemplo: João Batista era um Elias porque foi enviado a fim de preparar o caminho de Jesus (Mt. 17:12–13).
                Restaurador: O título Elias também foi aplicado a outros personagens que cumpriram missões específicas, como João, o Revelador (D&C 77:14) e Gabriel (Lc. 1:11–20; D&C 27:6–7; 110:12).
                Um homem da dispensação de Abraão: Um profeta chamado Esaías, ou Elias, que aparentemente viveu nos dias de Abraão (D&C 84:11–13; 110:12).
                NOTA: Elias é a forma grega do nome Elijah (hebraico). Como na tradução da Bíblia para o português foi usada sempre a forma grega, ou seja, Elias, estamos acrescentando o aposto o profeta ao nome Elias quando se trata do profeta do Velho Testamento citado em I Re. 17–II Re. 2, Mal. 4:5, Mt. 17:3, D&C 110:13-16."
                A Tradução de Joseph Smith de Mateus 17 esclarece que quando o Senhor explicou sobre Elias, "entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista e também de outro que viria para restaurar todas as coisas, como foi escrito pelos profetas." (TJS Mateus 17:14)
                Que Elias é um cargo ou chamado que comporta vários personagens não é suficiente para apaziguar a aparente contradição dos textos. As passagens dizem que um Elias viria primeiro para restaurar todas as coisas e outro Elias já havia vindo para preparar o caminho de Cristo. Sabemos que João Batista é um Elias, porque preparou o caminho do Salvador pregando e batizando o Filho de Deus; sabemos também que Elias, o profeta, Elaías e Moisés merecem o título de Elias, porque vieram para restaurar chaves nesta última dispensação. Além disso, Joseph Smith pode ser considerado um Elias, porque por meio Dele a restauração e a preparação para Segunda Vinda se iniciaram. Morôni e outros mensageiros celestiais que fizeram parte da Restauração também se adéquam ao chamado de Elias.

João Batista, Elias ou ambos estavam no monte da Transfiguração?
                Voltemos a questão central: quem estava no monte da Transfiguração: Elias, o profeta ou João Batista, o Elias que preparou o caminho do ministério mortal do Senhor? Se estavam ambos lá, porque Joseph Smith traduziu Marcos 9:4 aparentemente excluindo Elias o Profeta? Pois é dito que João Batista e Moisés estavam no monte - e não João, Moisés e Elias.
                Que Elias, o profeta, estava no monte da Transfiguração ninguém dúvida. Isso foi ensinado pelo profeta Joseph Smith com clareza (ver Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, capitulo 26 inteiro, páginas 321-329). Era necessário que Elias estivesse lá. O Presidente Joseph Fielding Smith explicou o porque:
                "“Por aí entendemos por que Elias e Moisés foram preservados da morte: por que
tinham uma missão a cumprir, e isto antes da crucificação do Filho de Deus, não podendo ser feita em espírito. Tinham que ter corpos tangíveis. (…) Por esse motivo, Moisés desapareceu do meio do povo, sendo levado para o monte onde o povo pensou ter sido sepultado pelo Senhor. Ele foi preservado pelo Senhor, para que, no devido tempo, pudesse vir restaurar as suas chaves sobre a cabeça de Pedro, Tiago e João, os quais estavam à testa da dispensação do meridiano dos tempos. (Ver Deuteronômio 34:5–6; Alma 45:18–19.) Preservou Elias da morte, para que também pudesse vir e conferir as suas chaves sobre a cabeça de Pedro, Tiago e João, e prepará-los para seu ministério. (…) Após a ressurreição de Cristo, eles [Moisés e Elias], naturalmente, passaram pela morte e ressurreição; depois, como seres ressurretos vieram cumprir missão de igual importância na dispensação da plenitude dos tempos.” (D&C 110:11–16; 133: 54–55) (Doutrinas de Salvação, vol. 2, pp. 110–111)
                João Batista era um ser de espírito apenas (sem um corpo físico) quando apareceu no monte da transfiguração - pois não fora transladado (como Elias, o profeta e Moisés), mas sim, passara por uma brutal morte (Mateus 14:3-12  e Marcos 6:17-29).
                Questionar a tradução do profeta Joseph Smith e sua autenticidade como servo do Senhor esta fora de nosso intento. Poderemos conversar a respeito disso em outra oportunidade. Ele, Joseph Smith Junior, foi um profeta, e de maneira inspirada revelou o verdadeiro sentido de Marcos 9:3, portanto João Batista realmente estava no monte da Transfiguração. O dicionário Bíblico SUD em inglês explica: "O texto curioso da TJS Marcos 9:03 não implica que o Elias no Monte da Transfiguração era João Batista, mas que, além de Elias, o profeta, João Batista estava presente" (referência em inglês; tradução livre)

Aceitando a Tradução de Joseph Smith como autêntica, por que razão Marcos citaria João Batista?
                Marcos escreveu seu evangelho principalmente aos gentios, diferente Mateus, que o fez para os judeus. Por isso Marcos é cuidadoso ao explicar os costumes dos judeus. Todavia, Marcos não se demora. Como o Manual do Aluno do Seminário do Curso do Novo Testamento explica: "Sem escrever muitas coisas a respeito dos pais ou do nascimento de Jesus, o “Testemunho de São Marcos” começa com o batismo de Jesus, que foi realizado quando Ele estava aproximadamente com trinta anos de idade. No primeiro capítulo, lemos também sobre o ministério de João Batista, a tentação de Jesus por Satanás, o chamado de alguns dos Apóstolos, três milagres específicos e outros grandes milagres. Esse ritmo acelerado continua ao longo de todo o livro, que é o menor dos quatro evangelhos. A palavra logo aparece mais de quarenta vezes nos dezesseis capítulos de Marcos, dando mais velocidade e ação à narrativa. O Evangelho de Marcos mostra Jesus como uma pessoa de ação e poder e contém mais relatos de milagres do que todos os outros evangelhos. Mas além do lado divino e poderoso de Jesus, esse evangelho mostra o lado humano de Jesus. Marcos mencionou mais vezes do que qualquer outro autor dos evangelhos que Jesus reservou algum tempo para ficar sozinho e descansar. (Ver Marcos 4:38; 6:31; 7:24; 8:13.) (pg. 39)
                90% dos eventos mencionados em Marcos são repetidos em outros evangelhos (Mateus, Lucas e João). Todavia, alguns eventos são mencionados apenas em Marcos. São eles:
        A parábola da semente e da colheita (ver Marcos 4:26–29)
        A menção de que Jesus era carpinteiro (ver Marcos 6:3)
        A cura de um homem em duas etapas (ver Marcos 8:22–26)
        O jovem discípulo que fugiu dos soldados na ocasião em que Jesus foi preso (ver Marcos 14:50–52; o jovem pode ter sido o próprio Marcos)
        Conforme a Tradução de Joseph Smith, o aparecimento de João Batista no Monte da Transfiguração.
                Veja, Marcos não era um apóstolo, como João e Mateus. Ele serviu como companheiro missionário de Paulo (Atos 12:25) e de Pedro (I Pedro 5:13). Ele deve ter aprendido as coisas que escreveu, não por si mesmo, mas principalmente com Pedro. O GEE informa: "No Novo Testamento, João Marcos era filho de Maria, que vivia em Jerusalém (At. 12:12); é possível que fosse primo (ou sobrinho) de Barnabé (Col.4:10). Acompanhou Paulo e Barnabé a Jerusalém em sua primeira viagem missionária, separando-se deles em Perge (At. 12:25; 13:5, 13). Mais tarde acompanhou Barnabé até Chipre (At. 15:37–39). Esteve com Paulo em Roma (Col. 4:10; Fil. 1:24) e com Pedro, na Babilônia (provavelmente em Roma) (I Ped. 5:13). Finalmente, estava com Timóteo em Éfeso (II Tim. 4:11). Evangelho segundo Marcos: Segundo livro do Novo Testamento; é possível que tenha sido escrito sob a orientação de Pedro. Seu propósito é descrever o Senhor como o Filho de Deus, que viveu e trabalhou entre os homens. Marcos descreve, com energia e humildade, a impressão que Jesus causava aos espectadores. Segundo a tradição, depois da morte de Pedro, Marcos foi ao Egito, organizou a Igreja em Alexandria e morreu como mártir."
                Pedro teve a experiência pessoal de estar no Monte da Transfiguração, por isso, talvez, tenha compartilhado algo adicional com Marcos - como o aparecimento de João Batista - e Marcos tenha decidido que essa informação era relevante para seu público-alvo (os gentios) - para que compreendessem o papel de João Batista no Plano. Lembremo-nos que Marcos inicia seu relato a partir do batismo do Salvador, e que os gentios pouca noção tinham sobre o Velho Testamento, especialmente sobre a importância e missão do profeta Elias.
                Além disso, devemos ter em mente que não dispomos de um relato completo do que aconteceu no monte da Transfiguração (D&C 63:21). Os mistérios revelados naquela ocasião foram guardados pelos Três Apóstolos por ordem expressa até que Cristo ressuscitasse. Mesmo depois da Ressurreição, Pedro, Tiago e João não saíram proclamando abertamente tudo quanto haviam aprendido. Coisas sagradas devem permanecer sagradas, e às vezes precisam ser escondidas para tanto. Assim, quem sabe se não havia mais personagens que apareceram para ensinar e conceder chaves aos três Apóstolos Principais? Esse pensamento me parece muito coerente e adequado, ainda mais levando em consideração que a Plenitude do Evangelho foi dada aos antigos Apóstolos.

Conclusão.
                João Batista esta no monte da Transfiguração? Sim. Elias, o profeta também? Sim. Moisés também estava lá. Talvez outros, mas isso não sabemos com certeza. Porque estavam lá? para (1) restaurar chaves; (2) atestar a divindade e supremacia de Cristo; (3) confortar e fortalecer o Senhor. Não sabemos muito sobre o que aconteceu naquela ocasião sagrada. Sabemos que houve uma investidura de poder e bênção sobre os mortais que participaram Daquela ocasião. E essa investidura de conhecimento e poder foi vital nos dias, meses e anos subsequentes - para o sucesso e fortalecimento da Igreja.

Um comentário:

fercabreu disse...

Parabéns pelo texto bem elaborado. Eu sugiro cautela com a Tradução de Joseph Smith da Bíblia. Além de um serviço inacabado e incompleto, tratam-se de fragmentos textuais não canonizados (não tem status de escritura, portanto). Some-se a isto o fato de que o profeta, em várias ocasiões, voltou atrás em sua revisão, alterando e "desalterando" os textos. Eu, com todo o respeito, vejo uma contradição muito clara. Eu discordo do dicionário SUD. E isto, de forma nenhuma, altera alguma coisa sobre o chamado divino e profético de Joseph Smith. Apenas significa que profetas não são infalíveis só porque são profetas, nem o tempo todo agem sob plena inspiração divina.

Um forte abraço, Lucas.